Voltando a escrever contos. Coisas da vida. Obrigada Xuxu, pelas boas ideias.
“Quem mexeu na minha cereja?”, perguntava-se Marianna. Logo
ela, sempre tão atenta as suas coisas, tão organizada quando se tratava de
algum dos seus roteiros audiovisuais. Sim. Tinha escolhido trabalhar com vídeo
e tudo que se referia a imagem e formas de se ver o mundo desde muito nova. Já
nos tempos de primário era leitora assídua de seja lá o que fosse, seja lá o
que lhe caísse nas mãos. Música? Era paixão. Arranhava alguma coisa no violão,
mas tinha que admitir que seu forte mesmo era escrever. Nem que fosse com uma
câmera. Sim, ela gostava de escrever com os olhos. Imprimir numa tela o que
pensava para que qualquer que fosse outra pessoa conseguisse ler seus
sentimentos. E assim virou roteirista.
O filme sobre a cereja foi uma ideia meio maluca, surgida
numa noite de bebedeira que acabou em vários goles d’água e um pacote de
biscoito bauduco sabor goiaba. Mariana gostava de goiabinhas. Mas isso não vem
ao caso. O caso é que nessa noite maluca ela resolveu que faria um filme metáfora
sobre a vida. Compararia a vida com uma fruta. E sabe-se lá porque achou que a
cereja seria pertinente. No fundo, Mariana achava que a fruta representava mil
coisas: a cor vermelha lembrava luta e ao mesmo tempo certa delicadeza e
feminilidade, apesar de pequena a fruta guardava consigo um sabor peculiar que ia do doce ao meio ácido a depender de
qual parte da língua a tocasse, isso sem falar da questão da efemeridade de
suas flores e na tão falada “cereja do bolo”, que representava a melhor parte
de alguma coisa... Enfim, a cereja era um mundo ideal quando se tratava de
metáforas. Começou o roteiro meio tímida, mas a história foi ganhando corpo e
logo passou a ter pegada, com personagens fortes, que quase falavam sozinhos em
sua cabecinha criativa. Quando apresentou o roteiro para um amigo produtor,
esse lhe deu de presente um bloco de anotações em formato da fruta, para que
pudesse escrever as ideias que lhe surgissem na mente enquanto pensava na parte
prática das gravações. Mariana passou meses tendo ideias e anotando-as
compulsivamente em sua cereja.
Um dia, chegou em casa e achou seu bloco de notas sem
nenhuma página. Todas tinham sido arrancadas. O que teria acontecido com a
cereja de Mariana?
1 comment:
1o texto do dia lido. inspirador demais. super bem escrito. parabéns!
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